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Com fluência e com afeto

April 6, 2003

Paulo Sampaio

 

Você adoraria falar inglês fluentemente, mas não consegue se adaptar à decoreba de muitos cursos tradicionais, não vê resultados práticos na ênfase dada à gramática e sente um bloqueio quando tenta se expressar: já experimentou algo na linha do "affective learning" (ensino afetivo)?

O método parte do princípio de que os alunos têm necessidades diferentes e cada um deve descobrir o seu jeito de chegar ao mesmo objetivo -falar inglês. A idéia é "aprender a aprender". Não chega a ser uma psicanálise em sala de aula, mas os estudantes são estimulados a se expor e a procurar em si próprios respostas para perguntas de ordem pessoal e didática.

"Eu mesma fui do tipo que perguntava tudo e muitas vezes era encarada como a aluna 'pentelha', que atrapalha a aula", diz a professora Lilian Raicher, 43, que cursou letras na universidade de Tel Aviv e fez pós-graduação em linguística na PUC.

Basicamente, seu curso é de pronúncia, um dos fatores que mais "travam" o aprendizado. Ela explica que a primeira coisa que o aluno vai fazer é ouvir e associar os sons, como todo mundo faz na infância com a língua nativa. Na aula para um grupo de funcionários de uma seguradora, Lilian apresenta um quadro fonético com 44 símbolos dos sons em inglês e os faz ouvir os fonemas isolados.

A professora pede aos alunos que imitem o movimento que ela faz com a boca, observem os músculos que mexe, a abertura do maxilar, a posição da língua com relação aos dentes e ao céu da boca. Funciona quase como uma aula de mímica. "Eles vão associar o movimento da boca ao som produzido", explica Lilian.

Parte da primeira aula é dada em português. "Quero que todos entendam que a gente tem de partir do que já conhece e procurar semelhanças", diz a professora, cujo curso tem cerca de 32 horas em dois meses e custa em média R$ 280.

"Essa brincadeirinha dos porquês, das origens das coisas, me fez dar passos sem perceber. Você quebra a expectativa do abre-livro, fecha-livro, decorar, repetir. Em um curso normal, quando a gente chega àquele ponto de 'phrasal verbs' (expressões idiomáticas formadas por verbos), parece que não vai para frente", diz o analista de sistemas Roberto Matsuda, 35, que já frequentou três cursos tradicionais e teve aulas com três professores particulares.

O primeiro contato de Lilian com o método que adota ocorreu na PUC, quando era aluna da professora Camila Lieff, morta em 2002. Camila desenvolveu a chamada abordagem humanista do aprendizado de línguas, que tem seguidores como o professor inglês Adrian Underhill, reconhecido na Inglaterra pelos bons resultados obtidos em cursos para estrangeiros. 

"A aula da Camila era diferente de tudo o que eu conhecia, o método era apaixonante", lembra Zaina Abdalla Nunes, 48, professora da Faculdade de Comunicação e Linguística da PUC e, durante 23 anos, da Cultura Inglesa, escola que também oferece métodos alternativos de ensino.

Em suas aulas de prática de pronúncia, Zaina também observa a reação dos alunos ao quadro fonético inglês e os sensibiliza para as diferenças com o português. As tarefas de casa são gravadas pelo aluno em fitas cassete e depois ouvidas por Zaina, que faz um levantamento das necessidades prioritárias de cada um. "Às vezes, o aluno tem 10 milhões de dificuldades de pronúncia: se eu falar, ele vai embora no ato. 

Seleciono o primordial e reforço a atenção naquele ponto para não desmotivá-lo", diz. Ao mesmo tempo, o aluno é submetido ao que Zaina chama de "produção expontânea". Ele vai falar dele, o que gosta, o que não, por que faz o curso.

Zaina explica que as turmas não são grandes, no máximo 12 alunos, como a maioria das classes de inglês. O diferencial é o tipo de abordagem centrada no aluno, com enfoque exclusivo na pronúncia. "Aqui o princípio de tudo é a pronúncia, enquanto em curso tradicional ela é parte de um contexto geral", explica.

Além das aulas para universitários, ela pretende ministrar no próximo semestre um curso de 15 semanas (45 horas), aberto à comunidade e promovido pelo departamento de inglês da PUC .

Nas aulas de Lilian Raicher, que acredita que o aprendizado de inglês tem a ver até com auto-estima, a professora conta com o suporte de uma psicóloga em sala.

"Muitas vezes, o aluno se sente julgado, intimidado ao falar, e isso pode ser contraproducente. Trabalhamos com um diário onde ele anota suas principais dificuldades", diz a psicóloga Fátima Gomes, 46. Fátima os ajuda a superar as dificuldades pessoais, e Lilian, as de expressão verbal.

Num outro caso de abordagem humanista do aprendizado, a professora Vera Cabrera Duarte, 50, criou o que batizou de "living drama". As aulas se baseiam no tripé psicologia da educação, ensino da língua e teatro. "É muito comum encontrar alunos que preferem ficar calados do que dizer bobagem. Num teatro, que mistura exercícios de livre associação, as bobagens são até bem-vindas", diz Vera. 

O curso tem 15 aulas de três horas cada, sempre aos sábados, e custa R$ 510. Ela explica que o pré-requisito para quem se inscreve é que tenha um "nível intermediário". A própria Vera reconhece que o termo é vago, mas diz que, se alguém sabe um pouco menos, ou mais, o teatro se encarrega de promover a interação. "Considero esse ambiente facilitador. A convivência traz a intimidade, melhora a qualidade emocional das relações", acredita.

Logo no início, a professora-atriz Bárbara de Araújo, 26, propõe uma brincadeira em que os alunos tentam equilibrar bexigas entre as testas, espalmam para o alto e dançam sem deixá-las cair. "Em um espaço em que o aluno canta até a música do sapo, ele não vai ter vergonha de mais nada. Esse é o plano: todo mundo se expõe e o inglês vai saindo. O importante aqui é se comunicar", explica Bárbara, que morou nos EUA um ano e é integrante da Companhia Teatro de Narradores.

Para o gerente de atendimento do Ibope Derli Pravato, 38, que já possui um bom nível de inglês, mas se considera muito autocrítico, as aulas funcionam. "Sem dúvida esse curso ajudou a me soltar um pouco mais, falar as coisas sem livros de gramática por perto nem a preocupação mecânica de dizer tudo corretamente", diz.

serviço: Lilian Raicher (www.newapproach.com.br); Zaina Abdalla Nunes (www.cogeae.pucsp.br); Vera Cabrera Duarte (info@cogeae.pucsp.br)

 

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/revista/rf0604200309.htm

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